A Ilha, no verão, abre a porta da sala e vem para o balcão receber, afetuosamente, os regressantes.
De ano para ano, aumentam os picoenses que voltam “a casa”, para passar uns dias e matar saudades, enquanto a vida o permite. A maioria deles goza a sua reforma. Habitualmente, vêm acompanhados de filhos e netos que se deleitam com o mar, as paisagens da ilha e a boa recetividade dos familiares, transmitindo-lhes a herança cultural que a vida nos países de acolhimento não conseguiu esquecer.
“Oh Sabastião, estás mais gordo, parece que os anos não passam por ti!”- dizia o Joe, emigrante na Califórnia há mais de 40 anos, na mercearia da localidade. “Já sabia que tinhas chegado, home. Olha, quando quiseres aparecer na minha adega, no Calhau, já sabes. É só entrar e “buber” alguma coisa!...”
Depois entrou o Norberto, o filho mais novo da Maria de Jesus. Para fugir à tropa no Ultramar, foi, nos anos 60, com carta de chamada, para o Brasil. Lá ficou até agora. “Vim aqui há dois anos e cá estou outra vez! Sou reformado, mas a pensão lá é muito pequena. Se eu não tivesse uns alugueres, não dava para viver.” Ar bem disposto e vestindo uma “t-shirt” com o mapa de uma ilha, o amigo perguntou-lhe: “Que ilha é essa?” ”Esta é uma ilha muito bonita, maior que a Ilha do Pico, perto do Rio de Janeiro, onde costumo ir pescar. Já tenho saudades. São muitos anos fora daqui. Gosto disto, é verdade, mas o Rio!...” e ficou no ar o desabado quase convite aos circundantes para visitarem a “cidade maravilhosa” que ainda hoje é porto de acolhimento onde muitos jovens portugueses procuram futuro.
Cá fora, um apito estridente ecoa pelos campos secos cultivados de milho e batatas doces. “Oh chicharro, oh chicharro”, grita o vendilhão, cuja viatura corre apressada pelos caminhos silenciosos. De vez em quando, lá aparece alguém a interromper a viagem. “Dois euros e meio! Nada mais barato!”
O chicharro, outrora o conduto dos pobres, está de novo ao preço da chuva, após um longo período de carestia.
Por aqui, o maior pitéu é o caldo de peixe. Não há iguaria que o iguale, a não ser a caçoila, pelas festas.
Nestes dias quentes de Agosto, sabem bem uns carapauzinhos fritos, acompanhados de batata doce ou branca. É um prato típico da adega.
Com a maré cheia e a lua em minguante, parece que o peixe vem à borda do cais.
Alguns emigrantes, cumprindo usos e costumes antigos, pegam no caniço e passam horas no porto da Manhenha, em busca de um prato de peixe, seja ele veja, bodião, garoupa, carapau ou chicharro. Quando é pescado por nós, tem outro sabor...
O tempo já é de vindimar. Mesmo que este ano o vento leste tenha dado cabo da floração das videiras, dá-se sempre uma volta pelos currais a ver se há algum cachinho esquecido. Muito poucos fazem muito e, faltando o vinho de cheiro, tem de comprar-se vinho de fora, de cuja qualidade muitos duvidam.
Desconhecedores das intempéries primaveris, são os simpáticos visitantes estrangeiros que trazem bem soletrada a saudação do bom dia.
Ultimamente tem passado por esta ponta leste da Ilha do Pico, virada a São Jorge e à Terceira, grupos de espanhóis e italianos. Uns de meia idade, outros já idosos, vêm prevenidos com documentação dos trilhos pedestres que lhes proporciona tomarem as melhores direções.
“Sou de Madrid” - informava um viajante- encostado à parede, à sombra de uma figueira abandonada, aguardando os restantes companheiros. “Gosta desta parte da Ilha?” “Sim. É muito bonita, as vinhas, a costa, as paredes, um pouco parecido com a paisagem de Lanzarote nas Canárias, embora lá o terreno seja de areia.” Reconstituído o grupo, lá seguiu, à beira costa, admirando a beleza das baías da Engrade, do Céu de Abraão, e outras pequenas enseadas, antes do farol da Ponta da Ilha.
Afinal a crise económica espanhola e o elevado índice de desemprego, são só para alguns.
O mesmo se diga da Itália.“Somos de Roma, de Bérgamo e de Florença e estamos instalados na Pousada da Juventude em São Roque” - afirmava outro visitante na sua passagem pela Engrade.
E os testemunhos sucedem-se em contatos fortuitos.
O mais insuspeito parece-me ser o que ouvi no aeroporto a uma cientista açoriana:” Isto aqui no Pico, em São Jorge e no Faial é que é o Arquipélago.
É pena São Miguel ficar tão longe!...”
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